Você sabe receber afeto?
Saber amar é saber deixar alguém te amar, é uma frase da música do Herbert Viana.
O mundo anda tão estranho e as pessoas tão individualistas que a maioria tem receio de buscar conforto e um ombro para chorar, preferindo o isolamento e a solidão sem, no entanto, entenderem que períodos de inferno astral fazem parte da vida.
É triste constatar que vivemos tempos de amores líquidos, onde tantos anseiam por perto tão somente pessoas felizes, que agem como se problemas e lágrimas fossem coisas de pessoas fracas, como se elas mesmas não sentissem tal necessidade. Nesta fantasia onde tudo é belo e perfeito, deixam de lado muito de sua humanidade e do que podem dar – e receber – de amor, carinho e afeto.
Que atire a primeira pedra quem sente necessidades afetivas, inclusive de demonstrar e pedir auxílio ao amigo em um momento de fragilidade emocional. Talvez o fantasma do medo de julgamentos. Não por acaso, a depressão se tornou uma doença que cresce assustadoramente no mundo.
Me lembro, certa vez, durante uma visita de um amigo alemão, ao passar por vizinho, ele me cumprimentou com a frase mais banal do nosso cotidiano:
– Bom dia. Tudo Bem? perguntou ele.
-Sim. Tudo bem!
Aos nos afastarmos, meu amigo me perguntou:
- Maria, você mentiu. Por que você respondeu que está bem? Hoje você não está.
- Porque ele não quer saber. É uma pergunta normal.
- Então porque perguntam se não querem saber? Não seria melhor dizer apenas ” bom dia”? Perguntou o meu amigo.
Na cabeça dele não fazia sentido perguntar para ouvir uma mentira por educação.
Fato é que fazemos isso todos os dias. Claro que não iremos sair contando nossos problemas para todos. Mas para um amigo, qual é o problema? É fácil responder: não estamos também dispostos a escutar, talvez por esta razão, quando chega o nosso momento de falar sobre nossas emoções, preferimos nos fechar porque também não quisemos ouvir o que consideramos dramas alheios.
<
p style=”font-weight: 400;”>Observe que geralmente quando um amigo está triste, a mensagem por whatsapp ou redes sociais mais enviada e mais comum é um “conte comigo”. Será que pode contar mesmo? Você pode pensar que os ” outros” são assim, mas a pergunta que faço é: qual foi a última vez, em um sábado à noite, que VOCÊ, aos tomar conhecimento dos problemas de um amigo, escolheu deixar de lado algo importante para lhe fazer companhia, ainda que permanecessem ali, os dois, sentados em silêncio? O silêncio, muitas vezes, como sabemos, tem o poder de dizer tudo o que as palavras não conseguem ou não querem.No bem e no mal. Para socorrer ou para ferir.
Por outro lado, quem vive este período de inferno astral, precisa aprender a se despir de sua auto suficiência ou receio e permitir-se apenas receber este afeto.
Assim como não é fácil entender a angústia do outro, também é difícil demonstrar as próprias necessidades e mais que isso, aceitar que precisa e quer a companhia de um amigo. É como se todos os sentimentos de tristeza, tão inerentes aos seres humanos, fossem agora interpretados como fraquezas. Todos querem mostrar uma força descomunal e uma auto suficiência que podem potencializar o momento de inferno astral e retardar o fim da dor por não conseguir pedir auxílio.
Diferentes comportamentos incentivam o isolamento. As máscaras que usamos no dia a dia colaboram. Claro que não, como já foi dito acima, não é bom sair por aí com cara de poucos amigos, reclamando da vida de forma prolixa para todo mundo. Mas não é disso que se trata. Mas se usar o tempo todo uma máscara para esconder sua debilidade, acabará escondendo também a própria humanidade, impedindo que o amigo faça uma leitura mais profunda da situação ou que perceba que algo está fora do normal .
É importante aprender ou reaprender a receber afeto, mas não somente em período de inferno astral. Tão importante quanto dar amor, é saber recebê-lo. Deixar-se cuidar, se permitir sem receios, sem auto cobrança, auto julgamento e sobretudo, sem tanto medo. Não é fácil, mas é possível praticar. E não ter medo.
Observem que quem tem animais de estimação não tem medo de demonstrar afeto pelo bichinho e sabe também, de verdade, receber todo o amor que ele oferece. Animais não julgam, não é mesmo?
Vinícius de Moraes disse que “o maior solitário é aquele que se nega a dar e receber o que pode dar de amor, amizade e socorro. Aquele que se recusa a viver as verdadeiras fontes de emoção, que são o patrimônio de todos. Este vive encerrado no absoluto de si mesmo e vivendo neste duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre”.
Em um mundo onde a alegria é fantasiosamente constante, e estar ou se sentir triste é quase um defeito, um pecado, um acinte, tenhamos, pois, um pouco mais de sensibilidade para darmos e pedirmos auxílio. Não há vergonha nisso. É preciso coragem para enfrentar os próprios medos e admiti-los para si mesmo.
Da próxima vez que se sentir em um inferno astral e ouvir do seu amigo a habitual pergunta, tente munir-se de coragem e responder:
– Não, hoje não estou bem! Preciso de um ombro. Pode me emprestar o seu?
Sandra Santos
Sim.. sei receber e sei dar, porem muitas vezes quem recebe não sabe o valor do meu afeto. Mas vou continuar dando, o problema nao sera meu e sim de quem nao sabe receber….